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http://www.ionline.pt/conteudo/31448-exclusivo-i-fernando-pessoa-olhem-este-barbacas
A varina e a lógica
Quando as quatro varinas corriam em losango pela rua e ao lado, a do avanço, loura e com olhos, deu com o instinto de troça contra o homem moço de barbas de velho que vinha tendo ar de sabio pelo passeio ás avessas.E parou, e, instinctivamente, os transeuntes pararam.
E ella largou a mão de alto, de sobre a canastra, apontou para o homem e disse:
– Olhem para este barbaças.
Toda a paisagem humana riu junta.O homem moço de barbas velhas parou á beira do passeio como de um caes, olhou abstractamente a varina, e disse num tom triste:
– Bem se vê que foi tua avó que te pariu!
A varina estacou mais, corou, emmudeceu com uns poucos de silencios, e em torno rebentou, depois de um pouco, uma gargalhada do publico já trespassado. Não se distinguia se a gargalhada era da resposta, se da confusão muda da varina loura.
O homem moço passou, levou as barbas de velho escondidas pelas costas viradas ao publico que o applaudira.Depois, num café, contou o episodio a um amigo. O amigo ouviu, riu, e depois não pôde rir. Por fim fez um gesto em que a face era envergonhada a medo.
Você desculpe. Eu serei talvez estupido, ou estarei estupido hoje.Mas o que quere isso dizer?– Não quere dizer nada, respondeu o outro. E ahi é que está o golpe.
Moral: Transtornar é vencer.
edição nº 157 do jornal i – 05 Novembro 2009