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Se sou mais que uma pedra ou uma planta? Não sei. Sou diferente. Não sei o que é mais ou menos (Fernando Pessoa - Poemas Inconjuntos)

09
Fev11
Antonio CANOVA (1757 – 1822)Psyche Revived by Cupid’s Kiss

Não te Amo
Não te amo, quero-te: o amor vem d'alma.
E eu n 'alma - tenho a calma,
A calma - do jazigo.
Ai! não te amo, não.


Não te amo, quero-te: o amor é vida.
E a vida - nem sentida
A trago eu já comigo.
Ai, não te amo, não!


Ai! não te amo, não; e só te quero
De um querer bruto e fero
Que o sangue me devora,
Não chega ao coração.


Não te amo. És bela; e eu não te amo, ó bela.
Quem ama a aziaga estrela
Que lhe luz na má hora
Da sua perdição?


E quero-te, e não te amo, que é forçado,
De mau, feitiço azado
Este indigno furor.
Mas oh! não te amo, não.


E infame sou, porque te quero; e tanto
Que de mim tenho espanto,
De ti medo e terror...
Mas amar!... não te amo, não.



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Li este poema por acaso e tocou-me (um acaso da vida, um livro emprestado)... no entanto, foi dificil encontrar na internet uma versão traduzida com a musicalidade desse primeiro livro (as versões brasileiras, quanto a mim, deixam um bocado a desejar).


Quem cavalga assim na noite e ao vento?
É o pai que leva consigo o rebento;
Leva nos braços envolta a criança,
Mantém-na quente e em segurança.


Meu filho, porque estás tu a tremer?
Pai, o Rei dos Elfos, não o estás a ver?
O Rei dos Elfos, de cauda e coroa?
Meu filho, é só o nevoeiro que voa.


‘Linda criança, vem, vem comigo!
Belos jogos jogarei contigo;
O meu Reino tem praias com flores decoradas,
A minha mãe tem vestes a ouro bordadas.’


Meu pai, meu pai, não estás a escutar
O que o Rei dos Elfos diz a sussurrar?
Tem calma, meu filho, sossega um momento:
São as folhas secas quando sopra o vento.”


Bela criança, queres vir para cá?
As minhas filhas por ti esperam já.
Elas à noite pelo rio andam
E embalam-te e dançam e para ti cantam.”


Meu pai, meu pai, não estás a vislumbrar
As filhas dele naquele escuro lugar?
Meu filho, meu filho, o que estou a ver:
São velhos salgueiros na sombra a mexer.


“Eu amo-te, atrais-me, ó belo rapaz;
Mas se não vens a bem, à força virás.”
Meu pai, meu pai, ele está a agarrar-me!
O Rei dos Elfos quer à força levar-me!


O pai, com pavor, lesto cavalgava,
A criança envolta nos braços chorava,
Com esforço chegou por fim a uma porta;
Nos braços a criança estava já morta.

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José


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?



Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

Carlos Drummond de Andrade

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#3
http://www.ionline.pt/conteudo/31448-exclusivo-i-fernando-pessoa-olhem-este-barbacas

A varina e a lógica

Quando as quatro varinas corriam em losango pela rua e ao lado, a do avanço, loura e com olhos, deu com o instinto de troça contra o homem moço de barbas de velho que vinha tendo ar de sabio pelo passeio ás avessas.

E parou, e, instinctivamente, os transeuntes pararam.

E ella largou a mão de alto, de sobre a canastra, apontou para o homem e disse:

– Olhem para este barbaças.

Toda a paisagem humana riu junta.

O homem moço de barbas velhas parou á beira do passeio como de um caes, olhou abstractamente a varina, e disse num tom triste:

– Bem se vê que foi tua avó que te pariu!

A varina estacou mais, corou, emmudeceu com uns poucos de silencios, e em torno rebentou, depois de um pouco, uma gargalhada do publico já trespassado. Não se distinguia se a gargalhada era da resposta, se da confusão muda da varina loura.

O homem moço passou, levou as barbas de velho escondidas pelas costas viradas ao publico que o applaudira.

Depois, num café, contou o episodio a um amigo. O amigo ouviu, riu, e depois não pôde rir. Por fim fez um gesto em que a face era envergonhada a medo.

 Você desculpe. Eu serei talvez estupido, ou estarei estupido hoje.Mas o que quere isso dizer?

– Não quere dizer nada, respondeu o outro. E ahi é que está o golpe.

Moral: Transtornar é vencer.

edição nº 157 do jornal i – 05 Novembro 2009

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